quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A pobreza médica

Eu não tenho a menor paciência pra campanhas de médicos reclamando que ganham pouco.

"O SUS paga uma miséria"
"O valor da consulta no plano é baixo"
"Tenho que ter 5 empregos pra ter um padrão de vida digno"

E coisas do tipo.

O SUS, por falta de fiscalização adequada, permite que muitos "bastiões da dignidade médica" trabalhem 15h horas num emprego que deveriam trabalhar 40 horas semanais. É por isso que, mesmo reclamando, boa parte dos médicos não "larga o osso" do SUS. (eu disse boa parte, tem muita gente boa e honesta por aí, ok?)

Se o plano paga pouco pela consulta, ué, deixa o plano! Regulação de mercado, já ouviu falar?

E sobre múltiplos empregos, escrevo um pouco mais.

Eu tenho dois empregos. Um é em "horário comercial", 40 horas por semana, e outro é um plantão noturno uma vez na semana. Consigo levar minhas filhas na escola pela manhã, chego em casa antes de escurecer, e como dou plantão na sexta consigo descansar dele no sábado de manhã sem problemas (e ainda ganho mais pelo plantão do que se trabalhasse nas quintas, por exemplo, por conta do adicional de fim-de-semana).

Com essa carga horária, que não é muito diferente de outras categorias profissionais, eu consigo ter um padrão de vida confortável, que me permite fechar as contas do mês sem problemas, e ainda dá uma sobra boa pra gastar em coisas que eu não necessariamente preciso, mas gosto. (claro que tem o salário da patroa nessa conta, que eu não casei com madame!)

Agora, se neguinho que ralar o peito trabalhando 80 horas por semana correndo de um lado pro outro porque quer manter a casa da praia e a casa de campo, um utilitário grande e beberrão na garagem, fazer o enxoval em Miami e ir pra Europa passar 3 semanas todo ano, eu respeito. E digo mais: vá em frente.

Mas deixa de hipocrisia, deixa de reclamar.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

"Velho rabugento"

Homem, 81 anos. Casado há 63. Perdeu a esposa há 6 meses.

Antes dele, entra a filha. Que conta que ele está rabugento, difícil de conviver. Que a neta quer mandá-lo pra um asilo, mas que ela não aceitou porque prometeu à mãe que cuidaria do pai.

A filha tem hipertensão, e está descontrolada nos últimos meses por causa do aperreio dentro de casa. Não dorme bem. Quer que eu convença o pai a voltar à psicóloga, que começou a atendê-lo logo após a morte da esposa mas que de repente ele não quis mais ir.

Ok, manda o homem entrar.

- Eu vou sair, doutor, daí vocês ficam mais à vontade, ok?
- Ok. Bom dia, seu fulano, como o senhor está?
- Meio aperreado. Minha mulher morreu, sabe?
- Sei sim, sua filha me contou. Difícil, né?
- É sim. A saudade é muita, doutor.

E aí segue uma bela conversa, ele falando de como ela segurou a barra quando ele trabalhava como motorista de ônibus intermunicipal e viajava bastante. De como ela assumiu a criação dos filhos enquanto ele não conseguia ficar muito em casa. De como ela foi companheira quando ele envelheceu, e adoeceu. Da força dela quando ele adoeceu e teve que colocar um marcapasso. De como mesmo doente, no final da vida, ela era companheira dele.

- Ela deve ser muito especial mesmo, seu fulano.
- Se era, doutor. O senhor quer ver uma foto?
- Claro! Cadê?

Na foto, o rosto sério. Pra descontrair, pergunto se ela era braba ou tranquila. Ele disse que era tranquila, desde que não provocassem. A foto não era muito recente, a filha (que voltou ao consultório) explica. Mas segunda a filha, era muito séria. Rigorosa. Teve que ser, conclui, pois segurou a casa e os filhos com o marido viajando pelo mundo.

Ele não chora. Não chorou no enterro, nem no velório, nem depois. Disse que ficou chateado porque na missa de sétimo dia um conhecido comentou "ele não gostava dela, se gostasse estaria chorando". Isso o magoou. Comento que quem precisava saber se ele gostava ou não com certeza sabia. Ele balança a cabeça, concordando, e sorri. Mas não chora.

A filha comenta sobre a psicóloga. Ele olha de lado, e antes que ele fale algo eu entro:

- O psicólogo não é pra quem está doente. O psicólogo é pra quem está numa fase difícil da vida e pode ser ajudado se tiver um espaço pra conversar um pouco. Pra colocar pra fora o que não consegue falar para os filhos, para os amigos, vizinhos. O senhor notou que a psicóloga nem remédio passa? É por isso, porque o senhor não está doente. Só precisa de uma ajudinha nesse período.

Ele sorri. E concorda:

- É mesmo, doutor. Eu gostava de ir lá. A doutora tinha uma conversa bem boa.
- E por que o senhor não quis mais ir lá?
- Porque um dia ela faltou, e me mandaram pra consulta com outra pessoa. Eu já tava acostumado com a primeira. Aí quando foi na outra semana era a doutora de novo, e eu disse a ela que não tinha gostado dela não estar lá, e que eu não iria mais.

(olha a importância do vínculo do profissional com o paciente...)

- Mas seu fulano, pode ser que a intenção dela tenha sido a melhor possível. Ela teve que faltar por algum motivo, e pro senhor não perder a viagem colocaram o senhor pra consulta com outra psicóloga. Não tem problema se o senhor não gostou: diga isso a ela, diga que se ela faltar o senhor prefere perder a consulta e voltar na semana seguinte a ir pra outra pessoa. Pode ser?

Ele sorri.

- Pode, doutor. Pode sim. Eu gostava da doutora...aliás, o senhor é feito ela, tem uma conversa boa, ouve a gente. Eu nem sabia que tava chateado por causa disso, e o senhor descobriu. Eu vou voltar lá essa semana.
- Pois vá sim, diga pra ela tudo o que sente, e depois volta aqui pra me contar como foi.
- Volto sim. Pode deixar. Obrigado!

(o que eu estava fazendo longe desse trabalho, hein?)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Consulta médica: um diálogo de surdos?

Já ouvi muitos relatos de pessoas que passaram por alguma consulta médica e não se sentiram bem acolhidas. Por mais que o médico fosse uma pessoa bem recomendada, e que demonstrasse competência, as pessoas saíam das consultas com a sensação de que não foram ouvidas.

E se alguém te dissesse que há estudos que mostram que 54% das queixas dos pacientes não são abordadas pelos médicos? Ou que médicos costumam interromper seus pacientes cerca de 20 segundos depois que estes começam a contar seus problemas? Ou ainda, que em dois minutos a maioria das pessoas consegue fazer um relato completo sobre seus problemas, que permite um bom diagnóstico rapidamente?

Se você é médico, pare pra pensar um pouco: se você precisasse escolher, o que faria mais diferença? Ler aquele último artigo sobre a rosiglitazona ou estudar um pouco de estratégias de comunicação com seus pacientes? Se você não souber como obter a melhor informação e passar recomendações de forma mais convincente, de que adianta estar antenado com aquela droga nova para TDAH?

Se ainda não se convenceu, assista ao vídeo abaixo, da médica de família e comunidade Marcela Dohms, que atualmente trabalha em Curitiba. Pouco mais de meia hora que pode mudar radicalmente a forma com que você enxerga a consulta médica.

E se você não é da área mas tem interesse no assunto, pode assistir também. Pode te ensinar a se comunicar com seu médico, o que tem influência direta na sua saúde.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A volta do que não tinha ido.

É isso. Este blog será retomado. Não que tivesse muito pra retomar, porque ele só tinha durado uma postagem e eu morguei. Depois eu conto essa história. Mas eu mantive a primeira postagem porque explica a origem do nome (que eu ainda acho legal após alguns anos).

O fato é: em vez de ficar escrevendo textos longos no Facebook (e ocupando a timeline dos outros) eu vou tentar colocar minhas inúmeras postagens por aqui.

Vamos ver se funciona. Abraços a todos.