terça-feira, 25 de junho de 2013

Dilma e a Saúde

A presidente anunciou na última sexta que iria "trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do SUS". Ontem, em reunião com os prefeitos e governadores, ela voltou ao tema, mas falou de forma mais amena, e inserido em outras propostas. Vou listá-las abaixo, e comentar uma por uma.

1) Ampliar a adesão dos hospitais filantrópicos ao programa que troca dívidas por mais atendimento
2) Incentivar a ida de médicos aos locais que mais precisam
3) Medidas para melhorar as condições físicas da rede de atendimento
4) Ampliação das vagas em cursos de medicina (11.447 novas vagas) (*até 2017)
5) Ampliação da formação de especialistas (12.376 novas vagas de residência) (*até 2017)

Então vamos lá, não necessariamente na ordem de apresentação:

- Hospitais filantrópicos: o programa é bom, mas muitas vezes os serviços oferecidos não se encaixam nas prioridades do sistema. Por exemplo, vamos supor que um hospital filantrópico tenha dívidas, e uma forte tradição em serviços de cardiologia. Por incrível que pareça, não temos necessidades grandes em todas as especialidades. Vamos supor que neste determinado local a necessidade de cardiologistas na rede do SUS esteja atendida com o que já existe na rede. Se o hospital só pode oferecer isso, será aceito, privilegiando o pagamento da dívida em relação às reais necessidades do sistema? Não estou acusando a proposta de fazer isso, só estou fazendo um alerta sobre problemas na execução. Se hospitais tem dívidas, elas devem ser pagas. Ponto. Se a oferta de serviços for compatível com as necessidades, ótimo, se não, que as dívidas sejam pagas de outra maneira. Até porque tem uns "filantrópicos" (com aspas mesmo) por aí que não costumam ter muito problema com dinheiro...

- Ampliação da formação de especialistas: a ampliação das vagas de residência com o objetivo de zerar o déficit para os recém-formados é muito boa, até porque vai permitir que em médio prazo a gente possa exigir residência médica para qualquer médico no SUS, o que só vai trazer benefícios à população. Mas fica uma grande pergunta: quantas vagas para cada especialidade? De novo, as necessidades da população devem ser consideradas. Países que buscam ter sistemas universais centrados na Atenção Primária (como é o caso do Brasil, pelo menos no papel e na cabeça de muita gente) necessariamente precisam direcionar a formação de especialistas para os que preencham estes serviços. Deveríamos ter 30, 40% das vagas de residência médica para formar Médicos de Família e Comunidade, hoje não chegamos nem a 5%. Outras especialidades sofrem com falta de médicos, como a psiquiatria, a neurologia, a ortopedia. Se a ampliação de vagas for pra atender a estas necessidades, ótimo. Se não for orientada por isso, é um tiro na água.
E outra coisa, a residência médica é reconhecidamente um dos grandes fatores relacionados à fixação de médicos. Então essas vagas terão que ser criadas no interior do país. O que exige preceptores de residência, estratégias de educação à distância, integração com universidades, fortalecimento de unidades de saúde+ensino...

- Ampliação das vagas em cursos de graduação em medicina: é óbvio que precisamos de mais médicos, mas formá-los sem uma política de interiorização é igual a acentuar os problemas de concentração que já temos hoje. Estas vagas devem ser criadas preferencialmente fora dos grandes centros urbanos. Isso significa uma necessidade enorme de investimento em universidades que atuem em cidades menores. E como isso vai ser feito? Queria muito saber, pois a carreira universitária ainda é pouco atrativa para médicos por causa principalmente da remuneração/dedicação exclusiva. Algumas universidades federais inclusive já superam este modelo, mas ainda falta muito para pensarmos em uma política real de interiorização da graduação em medicina.

- Melhoria da estrutura física: o governo já tem um programa bem interessante de reforma e construção de unidades de saúde da família, que precisa apenas ser ampliado ($$$$) e ter sua execução fiscalizada mais de perto. Uma alternativa seria deixar isso com os estados, pois atualmente o MS libera o dinheiro direto para os municípios e depois não tem perna pra acompanhar a execução, enquanto os estados ficam meio sem o que fazer no processo. Se a liberação de recursos fosse vinculada à adesão estadual (com aporte de recursos por parte do estado também) poderíamos ter mais agilidade na execução, mais recursos disponíveis e projetos mais próximos de um padrão regional. Essa medida depende muito da vontade política e capacidade de articulação com os municípios e estados.

- E por último (numa tentativa de segurar os leitores até o final...) vamos falar do incentivo à ida dos médicos para os locais que mais precisam. O governo já recuou várias vezes: antes eram 6 mil médicos cubanos, depois a prioridade virou Portugal e Espanha e o número sumiu, até que agora dizem que as vagas serão oferecidas primeiramente aos brasileiros, e quando vierem estrangeiros passarão por uma espécie de avaliação. O governo acerta quando aponta que precisamos de médicos (ao contrário das entidades médicas, que se baseiam no argumento de que "temos o dobro de médicos preconizado pela OMS", o que é mentira porque a OMS jamais se pronunciou em relação a um número mágico, recomendando análises de necessidades e estruturas locais para se chegar ao número para cada país). Mas ao apresentar mais números, o governo se perde, porque tenta justificar a vinda de estrangeiros pelo argumento de que o percentual de médicos estrangeiros no Brasil em relação ao total de médicos é pequeno em relação a outros países como Inglaterra, Austrália, Canadá e etc (mas não menciona que nesses lugares a revalidação do diploma é exigida, ao contrário do que querem fazer aqui com as chamadas autorizações especiais).
Mas pra mim o pior foi ler o seguinte: "O médico estrangeiro terá uma autorização especial para atuar somente em áreas prioritárias e só poderá exercer a atenção básica (ou seja, ele não vai poder realizar procedimentos mais complexos como cirurgias, por exemplo)". Essa é de matar. Primeiro porque médico com atuação limitada é "meio-médico", e não é disso que o Brasil precisa. Segundo porque não reconhece a extrema complexidade que envolve o trabalho de um médico de família, e o coloca como um profissional limitado, simples. A Atenção Primária, exatamente por se propor a cuidar das pessoas e resolver pelo menos 80% dos problemas apresentados pelas pessoas é um cenário bastante difícil, e é onde deveriam estar os melhores médicos, não os "limitados", com "autorização especial". Esse ponto da proposta pra mim equivale a uma cuspida na cara, me desculpem o extremo.

Enfim, entre as propostas da presidente as que menos me agradam são as da Saúde. A pergunta que me faço é se isso é porque são as piores mesmo ou se é por eu entender um pouquinho do assunto é que consigo enxergar os defeitos. E nesse caso, o que dizer das demais?

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Melhorou, Dilma. Mas ainda falta muito.

Como dediquei um post ao pronunciamento da presidente Dilma (sim, eu vou continuar chamando-a de presidente), acho que fico com a obrigação de comentar os desdobramentos. Pois bem, hoje ela fez um discurso de abertura na reunião com os governadores e prefeitos das capitais onde lançou mais propostas. Então vamos lá.

Primeiro, dizer que é bom ouvir a presidente se manifestar publicamente com frequência. Acho que Dilma fala muito pouco, entendo que o tipo dela é o de gestora que não perde tempo com marketing (aham), mas ela é a comandante da barca, eleita por um caminhão de votos, e a população PRECISA ouvir mais o que ela acha sobre as coisas mais importantes relacionadas ao país.

Segundo, dizer que acho que ela se tocou que a manifestação nas ruas dá a ela um belo suporte político pra lançar propostas mais arrojadas. Isso é bom. E me parece (espero que mantenha a opinião) que ela tem mais coragem do que Lula (que tinha mais prestígio e mesmo assim não fez esse tipo de enfrentamento).

Voltando ao pronunciamento, ela fez um blábláblá inicial e depois lançou cinco propostas. A primeira: um pacto pela responsabilidade fiscal, estabilidade econômica e controle da inflação. Nem ela falou muito sobre isso, e nem tem muito o que falar. Ou tem? O que significa este pacto? Significa que todos se comprometem a não estourar os orçamentos, mas é só isso? Deviam ter proposto este pacto aos que planejaram e executar as obras da Copa (que só pra lembrar, tá custando o mesmo que as três últimas somadas).

A segunda proposta se divide em três: um plebiscito para autorizar uma constituinte exclusiva para a reforma política, a classificação da corrupção como crime hediondo e o cumprimento da Lei de Acesso à Informação. A idéia do plebiscito é sensacional, pois dá legitimidade à briga, enquadra e joga a batata quente na mão do Congresso (que não vai ter peito pra recusar) e pode gerar a Reforma Política, que deve ser menor do que precisamos, mas mesmo assim melhorar muito as coisas. A história da corrupção como crime hediondo nem é nova mas estava meio "esquecida" no Congresso e o momento político é perfeito para relembrá-la. Sobre a Lei de Acesso à Informação, vamos ver o que acontece. O próprio Palácio do Planalto já tinha anunciado que não iria mais divulgar as despesas com viagens da presidente, mas acabou mudando de idéia. Ainda bem.

A terceira proposta é a da saúde, e eu vou falar especificamente sobre ela amanhã, porque parece que o ministro Padilha vai divulgar algumas novidades amanhã então eu aproveito pra analisar o pacote todo e comentar aqui.

A quarta proposta é sobre transporte público, e envolve mais investimentos (50 bilhões! De onde saiu isso?), desoneração para baratear passagens e a criação de um Conselho Nacional de Transporte Público. Essa proposta foi excelente, sintonizada com o que desencadeou o movimento das ruas e sensível às necessidades da população. Só podia rebatizar este conselho, em vez de "Transporte Público" chamar de "Mobilidade Urbana", pois assim inclui ciclovias/ciclofaixas, ruas exclusivas para pedestres e outras coisas. Mas beleza, a essência da discussão deve estar lá então não tem problema.

E a quinta proposta é a da educação, onde ela repetiu o que tinha dito no pronunciamento do dia 21/junho.

O que eu achei no geral? Melhorou bastante. Mostrou coragem. Quando alguma coisa contradiz o vice fisiologista e coloca gente como o Serra pra fazer crítica vazia a tendência é que o negócio seja bom. Ainda mais quando lideranças da oposição passam recibo do enquadramento. Só falta alguém convencer ela de que o Padilha tá viajando na maionese e não tá passando os dados completos pra ela (ou alguém diferente do ministro, porque sei lá, né?) e assim induzindo decisões erradas. Se ela continuar evoluindo assim é capaz até de me convencer a votar nela ano que vem (dependendo das opções, óbvio).

sábado, 22 de junho de 2013

Era isso, Dilma?


Antes de mais nada, uma coisa: a única coisa aceitável que deve ser feita para tirar a presidente do cargo se chama eleição. Tem uma daqui a pouco mais de um ano. QUALQUER coisa que não seja isso é golpe de estado.


Dito isso, que pronunciamento fraco. Claro, não dava pra ser muito objetiva ao responder a manifestações pouco objetivas. Primeira lição: se pressionar o governo responde. Agora é preciso focar em pontos específicos para poder exigir respostas específicas.

Primeiro ela anunciou apoio às manifestações, junto com a promessa de manter a ordem. Defender "Ordem" pra mim é coisa de integralista, isso acaba despertando figurinhas sinistras. O Beltrame (secretário de segurança do RJ) já tava falando em exército na rua. Eu acho que ela anunciou isso pra mostrar que tem o controle, que não quer bagunça, e que vai agir. Mas eu fico com medo dos monstrinhos que ela vai precisar acionar pra conter a revolta. Boa sorte pra ela, de coração.

"Reforma política". Que bonito. Como assim? O governo há pouco fez uma tentativa (até então bem sucedida) de sufocar o surgimento de novos partidos, com medo do crescimento de Marina Silva (figura que nem me agrada tanto, mas que tem representatividade e precisa ter espaço para ser ouvida). Dilma não falou nada sobre qual a reforma política que ela defende. É o voto distrital? É o financiamento público de campanhas? Ou detalha a proposta ou não responde nada.

"Plano nacional de mobilidade urbana, focado no transporte público". Ótimo. Mas não já tinha rolado uma conversa dessas quando anunciaram a Copa? Lembro até se dizia que a mobilidade urbana seria um dos "grandes legados" da Copa. Acabou que muitas cidades não avançaram, as obras não aconteceram. Recife tem um estádio no fiofó do mundo (e tá certo, porque estádio em região central atrapalha a vida de todo mundo, envolvido no evento ou não) e pra chegar e sair de lá o cara tem que planejar direitinho senão passa mais tempo no transporte do que no evento. Ou seja, nem para a Copa em si a mobilidade urbana aconteceu, imagina para o resto?

"100% dos royalties do petróleo para a educação". Massa. Mas é o tipo da promessa que não sai do canto, ainda mais se for discutido com os governadores e prefeitos. Há pouquinho tempo a pauta do Congresso estava trancada porque não se chegava a um acordo na questão dos royalties. Então a promessa dela não é fácil de ser cumprida, porque depende da articulação com o Legislativo. O problema é que estas articulações normalmente geram acordos que envolvem coisas como entregar Ministérios ou Comissões Parlamentares a partidos "aliados". Tipo o Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos. Então eu fico imaginando quantas mães ela vai ter que vender pra conseguir aprovar uma coisa dessas. A única chance seria pressionar o Congresso, mas como a massa alienada acha que tudo é culpa do Executivo, fica difícil.

"O dinheiro público entrou nas arenas por empréstimo e será devolvido". Quando? Qual o prazo de pagamento? E os juros? Será que os juros do empréstimo compensam, especialmente num cenário provável de piora da economia para os próximos anos? E o mais importante: se esse dinheiro tivesse sido investido em outras coisas como educação e saúde, será que não compensaria mais? Lanço aqui uma proposta: que o dinheiro desses empréstimos, quando pago, seja obrigatoriamente investido na saúde, mais especificamente no Programa de Requalificação de Unidades Básicas de Saúde (que já existe). Isso ajudaria na estrutura dos serviços de saúde, especialmente nos lugares onde ninguém quer ir. E falando nisso...

"Importação imediata de milhares de médicos para atender às necessidades da população". Eu já falei sobre isso AQUI e AQUI. Mas independente do mérito da questão, colocar isso nesse momento foi estúpido. Primeiro porque pouca gente pediu isso nas ruas (e a idéia não era ouvir "a voz das ruas"?). Segundo porque é uma medida que tem oposição na sociedade, independente das anteriores, e esse pronunciamento deveria muito mais focar em unir as pessoas em torno de causas do que em gerar confronto. A resposta rápida da corporação médica foi anunciar paralisação na semana que vem. Bola fora, agudizou um problema que estava em discussão. Só consigo ver uma razão: aproveitar o momento de mobilização para tentar empurrar o tema como agenda estratégica, para que passe mais rápido e aconteça a tempo de dar dividendos eleitorais (pra ela e pro ministro Padilha, que deve concorrer ao governo paulista).

Enfim, o meu medo era que ela acentuasse as tensões com o discurso, e isso não foi feito (só com os médicos, mas não vai chegar nas ruas na imensa maioria dos estados). Acho até que acalmou a ala mais moderada dos manifestantes (a maioria). Mas os mais radicais não se sentiram ouvidos, e vão continuar na rua.

As minhas conclusões são:
1) #ficadilma, mas só até o final do ano que vem.
2) #todosnarua, mas definam as pautas, ok?
3) O pau vai comer na rua, pois vão soltar os cachorros em cima dos que estão no quebra-quebra.

Como eu disse a alguns amigos ontem, mais importante do que o discurso dela serão as reações ao discurso. Vamos ver o que acontece.