segunda-feira, 8 de julho de 2013

Mais médicos, mais saúde. Será?

Depois de tanta polêmica, finalmente saiu o grande plano do Governo Federal para levar mais médicos (ou mais saúde, segundo eles) para o povão. E eu não ia perder a chance de comentar.

Inicialmente uma constatação: o rebuliço surgido após a divulgação do interesse por 6 mil cubanos acabou pressionando o governo a melhorar a "grande" idéia. Pro que se mostrava, a coisa apresentada hoje foi muito menos ruim.

Então bora lá, listando e comentando as propostas:

1) Aumentar vagas de graduação e residência: isso já tinha sido dito, mas hoje saiu que 2/3 das vagas em cursos de medicina serão em instituições privadas. Isso me chamou a atenção. Será que vai ter FIES que sustente tanto estudante de medicina em faculdade particular?
Vale também olhar para os critérios que serão utilizados para autorizar a abertura das novas vagas: o primeiro deles é a relação número de leitos/aluno mínima de 5. O que significa que para abrir uma faculdade com 100 vagas a instituição deve ter 500 leitos hospitalares. Aí você me pergunta: isso é muito, é pouco, é o que? Então eu fui pesquisar no DataSUS e descobri que aqui em Pernambuco isso é muito: Caruaru tem 583 leitos (já somando públicos e privados) na CIDADE INTEIRA. Vitória de Santo Antão tem 476 leitos. Escolhi estas cidades porque são marcadas no mapa exibido na apresentação feita pelo governo hoje. Então deixo a primeira pergunta: vão construir um monte de hospitais, né? Porque o que temos hoje não dá conta. E nesse caso, precisamos mesmo de mais hospitais? (em 2005 tínhamos 2 leitos por 1.000 habitantes, o que já me parece demais).
Outro critério é o máximo de 3 alunos por equipe de atenção básica. Essa é mais esquisita ainda, vamos aos números. Recife tem 243 Equipes de Saúde da Família (ESF), o que significa que sua rede municipal pode receber no máximo 729 estudantes. As 4 faculdades daqui somadas possuem 530 vagas em medicina, o que já ocuparia 176 ESF. Será que temos equipes em condições de serem cenário de aprendizado? Em Recife sabemos que não, e as faculdades hoje fazem uma briga de foice pra conseguir equipes que recebam seus alunos. Aí eu te pergunto: e em Caruaru ou Vitória de Santo Antão? Manteremos o mesmo modelo de formação atual na Atenção Primária (preceptoria por médicos sem formação e muitas vezes sem muito interesse na área)? MEDO.
Ainda tem um lance de critérios econômicos, que incluem a contrapartida do setor privado (dono da faculdade) para o SUS. Mas quando eu penso nas instituições "P"ilantrópicas espalhadas por aí eu fico com mais medo e decido ir para o próximo passo.

2) O "segundo ciclo" da formação médica: essa até parece uma boa idéia a princípio, né? Pelo menos se você defende o serviço civil obrigatório. Os caras foram ninjas, vamos reconhecer: empurraram goela abaixo o serviço civil travestido de formação médica, e com isso conseguiram inclusive abocanhar as faculdades privadas! (sim, porque o modelo do servico civil obrigatório era para profissionais oriundos de faculdades públicas). Bem, eu não defendo serviço civil obrigatório, eu defendo liberdades. Se o governo cria um bom programa de captação de profissionais ele não vai precisar obrigar ninguém a ir. Se precisa obrigar, é porque não é grande coisa.
Mas atenção para o detalhe: os dois anos deste segundo ciclo consistem em "estágios" na atenção básica e na urgência/emergência. Não por acaso, as áreas com maior demanda dentro do SUS. Ou seja, o segundo ciclo pode até soar como uma formação direcionada para as necessidades da população, mas não deixa de ser uma estratégia para arrumar mão de obra barata. Como funciona com as residências hoje: os residentes tocam os grandes hospitais públicos desse país, todo mundo sabe disso. Nas UBS e UPA, isso vai ser feito por criaturas no limbo: nem médicos formados, nem residentes. Mas espere! Estes dois anos poderão ser usados para descontar tempo numa futura residência médica! Como assim, Bial? Esse negócio ainda vai repercutir muito, tá muito incerto, mas como só vai acontecer em 2021...=(
De toda forma, uma excelente notícia: é o fim do Medcurso! \o/\o/\o/\o/
O problema é que parece um golpe fortíssimo nas Residências em Medicina de Família e Comunidade...

3) Editais de "chamada nacional de médicos": aqui foi a maior recuada. Inicialmente eram 6000 cubanos, depois disseram que não, que seriam portugueses e espanhóis...agora será uma chamada inicialmente para brasileiros, seguida de uma segunda chamada para brasileiros formados fora do país que não revalidaram o diploma (olha o trem da alegria dos brasileiros formados em Cuba e Argentina...o da Bolívia se ferraram porque lá tem menos médicos por habitante que no Brasil), e uma terceira chamada para estrangeiros. A desculpa de não revalidar permanece: é a maneira de segurar os gringos nos locais estratégicos, o que é conversa mole pois outras coisas poderiam ser usadas: custeio da burocracia para revalidar o diploma em troca destes contratos no interior, por exemplo. Mas mesmo que aceitemos a desculpa, vale perguntar se os benefícios compensam os potenciais prejuízos. Bem, quem for vai receber 10 mil na conta pagos pelo MS (o que evita os calotes das prefeituras, boa!), além de moradia e alimentação (detalha isso aí, Padilha, senão vai ter nego em acampamento do exército) e uma ajuda de custo para se estabelecer no local que tem valor variável de acordo com a proximidade do fim do mundo que o local escolhido tiver. Parece até um princípio de Carreira de Estado para Médicos, a diferença é que não tem carreira: as vagas são de no máximo 3 anos, após este tempo o camarada precisa revalidar e seguir a vida se quiser ficar aqui. Não vou repetir o que já falei em outras postagens sobre o que realmente atrai médicos para o interior, mas não dá pra dizer que não é uma proposta mais atrativa do que o que temos hoje. Tipo, eu, uns 6 ou 7 anos atrás iria facinho facinho. Mas a questão é: é de médicos como o que eu era 7 anos atrás que o interior desse país precisa?
Pra fechar esse assunto, um outro ponto: se a seleção das cidades for feita nos moldes do Provab (o que está parecendo), não corrigiremos a distorção da distribuição (como o Provab falhou em fazer). Só vai dar certo se priorizarem de fato o interior, as cidades menores em relação às capitais. Porque no Provab acabamos com médicos direcionados para Recife, enquanto municípios do interior não tiveram ninguém. Será que uma base estadual resolveria? Pra pensar...

Ao debate.

Um comentário:

Rubens de Freitas disse...

Rodrigo,
fora a questão que o "estagiário" deste novo ciclo vai trabalhar na "linha de frente", sem qualquer vínculo trabalhista, sem os direitos (e também os deveres?) dos servidores do estado.
Só pra colocar um ponto.
Estou tão atordoado com tantas "novidades"dosúltimos dias, que não processei ainda tudo...