quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Betânia espera

Betânia tem 48 anos. Está casada há 25 anos com Nelson. O casamento não foi planejado, e sim arrumado às pressas quando Betânia engravidou. Você sabe, a tradicional família nordestina não aceitava mães solteiras há 25 anos. Mas não tinha problema, pois Betânia gostava de Nelson. Veio o primeiro filho. Três anos depois, veio o segundo. O casamento andando, naquele piloto automático, mas Betânia gostava de Nelson.
Dez anos atrás, Nelson foi convidado pela empresa a assumir um posto de trabalho em São Paulo. Teria que se mudar. Combinou com Betânia que iria na frente, pra ver se dava certo, e depois a família iria ao seu encontro. Nelson voltava de férias, visitava a família, e com o passar do tempo passou a falar menos na ida da família. Até que parou de falar. Nelson ainda volta, uma vez no ano, pra visitar Betânia e os filhos. Passa um mês por aqui. E ninguém tem coragem de perguntar a Nelson sobre a ida da família ou sobre o emprego ou sobre qualquer coisa relacionada a São Paulo.
As pessoas comentam. Ele deve ter uma outra família lá, dizem. Os filhos aqui, já crescidos, tocaram a vida. Faculdade, emprego, conheceram pessoas, casaram. Betânia acompanhou tudo, segurava a barra. Nelson...bem, Nelson mandava dinheiro. "Você quer mais o que?", disse ele uma vez, lá atrás, quando Betânia cobrou sua presença na vida da família. O fato é que os filhos agora nem iriam mais para São Paulo, e na verdade nem se importam muito com Nelson. Mas Betânia...
Ela aparenta não se importar. Pra quem pergunta se é casada, responde "sou, mas ele trabalha em outra cidade". Simples assim. O fato é que não é tão simples. Betânia é uma pessoa triste. Ela não sabe bem se a tristeza é porque Nelson está longe, porque na verdade mesmo quando ele está aqui ela também se incomoda pois ele fica controlando onde ela vai, com quem vai, a que horas vai, e quando está em São Paulo ela fica mais livre. Talvez ela seja triste porque o casamento idealizado não deu certo. Sente que perdeu tempo, que deixou a vida passar. Sentir que perdeu tempo da vida pode ser muito angustiante. Pode ser também que ela seja triste por causa da possibilidade de Nelson ter outra família. Diz que nunca cogitou tentar descobrir a verdade, afinal de contas " o que os olhos não vêem, o coração não sente". Será mesmo que não sente? Ela também não sabe. Ou sabe.
Betânia está presa. Ela sabe disso, mas não fala no assunto. Está aprisionada por seus valores morais, de influência religiosa, que dizem que o casamento deve ser mantido de todo jeito. Mas esta não é a única prisão. Betânia está presa a sua esperança de que um dia Nelson diga a ela que arrume as malas pois ele está pronto para recebê-la em São Paulo. Dizem que a esperança liberta, mas a esperança também pode prender. E um sinal de que ela está presa é que ela não dorme. Aliás, dorme, mas com a ajuda de comprimidos. Todo dia, toma um e apaga. Melhor do que ficar acordada pensando nisso tudo.

E aí, prescrevo os comprimidos ou não?



(*a história é real, os nomes são fictícios, os locais também)

3 comentários:

Livia Coelho disse...

prescreve um namorado pra moça! ;)

Anine Surui disse...

Inspirador o seu texto. Obrigada pelos minutos de reflexão.

Anônimo disse...

Hummm! Prescreva uma dose de coragem +vontade=felicidade