quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Uma visita no fim do dia

18:05h.

A última paciente do dia acaba de se despedir e sair do consultório. Volto pro computador pra terminar de digitar o registro da consulta (é muito chato ficar digitando enquanto o paciente fica sentado na sua frente). Alguém bate à porta e abre uma fresta, coloca a cabeça e pergunta: "Posso entrar, doutor?".

É uma paciente conhecida. Acompanho a família há algum tempo, e sua mãe, que teve um AVC em casa há uns dois meses, está hospitalizada. Há alguns dias não tinha notícias dela. Ela tem uma cara serena. Eu conheço esse olhar.

"Tudo bem? Senta, fica à vontade!"

E o olhar profundo...mas ela se senta.

Só me resta olhar também. Olho no olho, um sorriso. Eu espero. Tome seu tempo, amiga.

"Doutor...tem mais uma estrelinha no céu". E sorri. Depois desfaz o sorriso apressada, como que para disfarçá-lo. Mas ele fica ali no canto da boca.

"Nossa...poxa, meus sentimentos. Como você tá? Quando foi?"

"Foi sexta, doutor. Mas foi bom...assim...o senhor entende, né? Ela descansou. No fim das contas eu tô...aliviada."

Entendo sim. Entendo até demais.

E seguimos por meia hora conversando sobre como lidar com essas perdas, com a família, como reorganizar a vida, como entender melhor o que passa na cabeça nesse momento. E ela foi pra casa. Sorrindo.

Pra falar a verdade, esse é o tipo do momento que eu mais me sinto médico de família. Não dá pra se orgulhar de ser procurado por alguém com uma amigdalite, mas quando alguém nesse momento da vida procura VOCÊ pra conversar, é sinal de que você anda trabalhando direito.